Na tarde de ontem (quarta-feira), mais de 48 horas após termos cancelado todos os espetáculos de música ao vivo e menos de 24 horas após anunciarmos publicamente esta decisão, na nossa página de internet e por email, a equipe de coordenação do Olhar Casa das Artes recebeu um abaixo-assinado que vem esclarecer a visita de Polícia Militar na noite de sexta para sábado. Este abaixo-assinado foi (em parte erroneamente) dirigido ao “Bar Olhar Casa das Artes” por 32 moradores da Praça da Sé e proximidades, que se sentem “prejudicados com o alto som do mesmo”. Dizemos “em parte erroneamente” porque o Olhar nunca se propôs como sendo um “bar”, mas também entendemos que é nosso o dever questionar o porquê de sermos vistos como um, dado que a nossa reputação é – em primeiro lugar – fruto das atividades da casa e apenas depois das reações da comunidade na qual estamos inseridos.
Este abaixo-assinado vem culminar uma série de ocorrências graves e três visitas da Polícia Militar, ao longo das duas últimas semanas, que obrigaram a equipe de coordenação a parar para pensar e reavaliar a proposta da casa. O Olhar pretende ser “um espaço cultural que tem como missão divulgar e profissionalizar artistas do Cariri e promover a arte como uma ferramenta de desenvolvimento individual e social,espaço este que consiste de uma galeria de exposição, atelier para os cursos e oficinas e um jardim com bar-restaurante para confraternizar, trocar conhecimento e criar novas idéias, provar pratos e petiscos simples feitos com um toque especial, assistir a espetáculos ao vivo e escutar uma seleção eclética de música regional, nacional e mundial.” É assim que nos apresentamos hoje. Se desde o início oferecemos um “bar-restaurante”, é como complemento e ferramenta para os projetos de atividades culturais e sociais que estamos desenvolvendo e com o objetivo de auxiliar no financiamento dos mesmos.
É claro para toda a atual equipe que o conceito de 'cultura' inclui espetáculos de música ao vivo, mas também que é muito mais abrangente. Durante a última semana, tivemos diversas e longas discussões sobre este assunto e sobre as queixas que começavam a se manifestar. Como resultado, decidimos reduzir substancialmente o número de espetáculos a agendar nas nossas instalações para o mês de abril, alocando apenas dois sábados para este efeito e evitando os dias de semana, com o duplo objetivo de reavivar outros eventos mais tranqüilos (como poesia, cinema e teatro) e de dar o merecido descanso aos nossos vizinhos. Na segunda-feira, tomamos também a iniciativa de cancelar todos os espetáculos de março, que estavam agendados para as noites de quinta-feira, e na terça-feira comunicamos a decisão aos nossos clientes e amigos, deixando apenas os eventos musicais agendados para sábado. Na terça-feira, iniciamos ainda discussões com um gestor de um espaço mais apropriado para a realização de eventos musicais com níveis de som mais elevados. Hoje, e após o recebimento do abaixo-assinado, a equipe do Olhar reuniu-se com o promotor da Festa dos Arianos, agendada para esta noite de sábado, explicou toda a situação e questionou a viabilidade de realizar a mesma nas nossas instalações.
Assim, podemos dizer que este abaixo-assinado vem confirmar a nossa crescente preocupação com o bem estar e boas relações com a nossa vizinhança, que está de acordo com a direção que a equipe de coordenação tem para a casa e com as conseqüentes decisões e ações tomadas nos últimos dias e até com a proposta original do Olhar, que pretendemos retomar. Infelizmente, o cansaço dos nossos vizinhos chegou a um ponto crítico antes de se sentir o efeito das mudanças já em curso. Como conseqüência, teremos que por o pé no freio com mais força e rapidez quanto à realização de eventos musicais e com mais força e rapidez no acelerador quanto à reestruturação da proposta cultural da casa.
Gostaríamos de aproveitar este comunicado para dizer a todos os amigos da casa que entendemos que a Polícia Militar simplesmente cumpriu o seu dever ao responder às justas queixas dos vizinhos e que em todas as três visitas fomos tratados com respeito. Na segunda visita, a Polícia Militar pode constatar que o volume de som estava dentro de níveis perfeitamente aceitáveis, mas, como também entendemos, quando o copo já se encontra cheio qualquer pequena gota faz a água transbordar. Apesar de sentirmos que é de lamentar o fato destas queixas não terem sido dirigidas antes e diretamente à equipe de coordenação do Olhar, também entendemos que é de lamentar o fato de não termos sido mais sensíveis ao sofrimento dos vizinhos durante os últimos meses e mais rápidos na nossa resposta, após a primeira e segunda visita da Polícia Militar. Os avisos chegaram e foram ouvidos, mas realmente tudo aconteceu muito rápido desde então e não é fácil mudar o rumo e os hábitos de uma equipe jovem, ainda inexperiente e já acostumada a trabalhar com agendas mensais.
Sem dúvida, vivemos em tempos e em sociedades onde o ‘diálogo’ são uma raridade e onde o ‘abuso’ abunda, abuso este do qual fomos – menos, mas apesar de tudo fomos – vítimas como fomos agressores. O nosso abuso ao longo de alguns meses ficou bem claro nos dois últimos dias. Ficam, no entanto, por esclarecer duas ocorrências criminosas em noites anteriores, quando foram jogadas pedras do exterior para o jardim da casa, onde se encontravam os nossos clientes, e que poderiam ter causado muito graves ferimentos. Ficam também por esclarecer as diversas calúnias e falsas denúncias à Polícia Militar que o Olhar é um espaço onde o uso de drogas é liberado. Queremos deixar bem claro que não é e nunca foi por parte da coordenação geral. Não é de hoje que todos os membros da nossa equipe de atendimento têm ordens expressas para informar o segurança ao sinal de uso de drogas nas nossas instalações e que este último tem ordem para convidar os prevaricadores a se retirarem do nosso espaço. Não queremos ser hipócritas, pois afinal vendemos álcool (também uma droga ainda que legal), mas também não pretendemos levantar bandeiras quanto à liberalização de drogas. Mais facilmente tomaríamos a decisão de não vendermos álcool, de promovermos o seu consumo moderado ou até de apontarmos para a existência incoerente de dois pesos e duas medidas na nossa sociedade. No nosso mundo ideal, ninguém sofreria com o consumo de venenos tão destrutivos e de venda tão livre e institucionalizada, como são os cigarros e o álcool. Mas isto é outra história...
“Todos somos filhos de Deus, só não falamos a mesma língua”, assim ensina a música “O Mundo” a quem tem bons ouvidos. Agora é hora de ouvirmos e dialogarmos com o mundo à nossa volta, de fazermos um esforço para reatar os laços comunitários que se fragilizaram e de repararmos os danos causados à nossa vizinhança, sempre com a esperança de encontrarmos um ponto de mútuo acordo. A equipe do Olhar Casa das Artes sempre pretendeu usar a arte como uma ferramenta de coesão social, não de divisão, o que significa que ainda temos muito para aprender. Olhando para trás e para o momento presente, vemos experiências de onde devemos tirar lições e evoluir se desejamos alcançar os nossos objetivos. À nossa frente, e para além de uma crise momentânea, vemos um desafio à nossa inteligência e criatividade, bem como uma oportunidade para amadurecer o nosso projeto e reencontrar o nosso norte. Há males que vem para bem. Esperamos poder contar com o apoio de todos para nos levantarmos, mantermos de pé, seguirmos em frente e continuarmos com a nossa caminhada, que é uma caminhada pela arte como ferramenta de terapia ocupacional e desenvolvimento individual e coletivo e uma caminhada por uma sociedade mais justa e tolerante.
Esperando levar esta situação a bom porto, terminamos com o nosso sincero obrigado a todos os amigos da casa pelas mensagens de apoio e também aos nossos vizinhos pelo puxão de orelhas, a quem pedimos as nossas humildes desculpas por todos os transtornos causados.
Luz pela paz, é o que todos mais necessitamos agora.
Maria Gabriella Federico
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